Já fui chamado de antissemita por criticar excessos de Israel contra palestinos. É algo que me choca. Ser antissemita significa odiar os judeus como totalidade. Posso odiar um homem branco, mas não todos os brancos. Posso odiar um homem negro, mas não todos os negros. Posso odiar um homem judeu, mas não todos os judeus. Posso odiar alguém pelo que fez, jamais pela cor da sua pele, pela sua religião ou pela sua identidade. Ser antissemita seria imaginar que os judeus têm algum atributo capaz de torná-los especiais como um todo e por isso passíveis de ódio coletivo. Isso não existe. Para ninguém. Não existe o negro, o branco, o judeu. Existem brancos, negros, judeus, pessoas, homens, mulheres, seres diferentes, singulares, únicos, compartilhando alguns traços culturais. É tudo. Um país deve ser de todos, sempre plural, não só de brancos, de negros, de cristãos, desta ou daquela religião, “raça” ou escolha política. A pluralidade é a marca das sociedades.
Há quem pense, como o jornalista Ricardo Melo, colunista da Folha de S. Paulo, que a única saída para conflito israelo-palestino é extinção do Estado de Israel. Não sei se Ricardo é antissemita. Parece ser antissionista. É provável que muitos antissionistas sejam antissemitas, mas não é certo que todos o sejam. Há também quem pense noutra solução: os palestinos desistirem de ter um Estado passando a diluir-se nos países árabes em torno. Há quem garanta que palestinos não existem, mas somente árabes. Há quem diga que os judeus só existem como religião sendo, exceto os nascidos em Israel, de múltiplas nacionalidades. Essa abordagem não ajuda a avançar. Judeus veem-se como povo. Palestinos também. Desde quando? Não interessa.
O conflito tem uma causa principal: para instalar o Estado de Israel foi preciso desocupar lugares habitados durante séculos pelos árabes palestinos. A divisão em dois Estados, proposta em 1947, não agradou aos palestinos em razão da desproporção territorial. Sentiram-se perdendo espaço para pessoas que nunca tinham vivido na Palestina. Que judeus viveram na região no passado não há dúvida. O judeu Shlomo Sand, professor na Universidade de Tel-Aviv, põe em dúvida que a maioria dos judeus de hoje descenda de alguém que tenha vivido antigamente por lá. Os que foram para Israel em 1948 tinham nascido na Europa, na América e ou em outro lugar de pais, avós e bisavós de diversas nacionalidades. Nada, porém, deslegitima essa noção de pátria baseada num passado histórico ou mítico. Restava e resta negociar com quem estava no lugar desejado.
Tinha gente lá quando Israel foi fundado. Não interessa desde quando, nem quem, tampouco por qual razão.
Havia gente lá e essa gente não queria sair.
Um país não pode ser fundado em cima de uma ação de despejo.
Mais de 700 mil árabes palestinos foram despejado a partir de 1948.
Os despejados sempre voltam para reclamar o que consideram seus direitos.
Era justo dar um Estado aos judeus do mundo inteiro numa terra ocupada? A sombra do holocausto não deixou dúvida quanto a isso. Culpa? Acerto de contas com a história? Sentimento de justiça? Tentativa de resolver um grave problema?
Um pouco de tudo isso. Israel merece existir. A Palestina também. A chamada comunidade internacional precisa mediar energicamente a convivência desses dois Estados. O cotidiano, porém, indica que tão cedo não haverá paz. Israel não pode esquecer os seus filhos perdidos em ataques aparentemente inócuos, mas que matam a conta-gotas. Os palestinos não podem esquecer as suas crianças mortas em escolas em função das respostas radicais de Israel. A guerra é só com o Hamas? De certa forma. O Hamas, contudo, não deixa de expressar os sentimentos de parte dos palestinos. O que fazer? Como resolver?
Sejamos humildes e francos: ninguém sabe. Seria preciso que surgisse, sabe-se lá de onde, um profundo desejo de entendimento, de convivência, de perdão, de reconciliação e de compreensão. Só uma reforma de mentalidades poderá, enfim, selar a paz. Defender um Estado palestino não pode significar ser contra Israel. A paz passa por dois Estados.
Israel poderia começar retirando todos os “colonos” de áreas palestinas. Não?
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Inocência assassinada
Qual será a imagem mais triste destas duas primeiras décadas do século XXI? Qual será a imagem mais marcante destes tempos em que a imagem é soberana e até o mais banal se transforma em imagem com direito a figurar na internet? Qual será a imagem que rivalizará com a da menina queimada por napalm na guerra do Vietnã? Ou com a incrível cena do chinês à frente do tanque na praça da Paz Celestial? Que imagem ficará em nossa retina como um flagrante das misérias e infâmias da humanidade? Será a das crianças mortas em Gaza? Ou será a de homens vibrando com essas mortes como se comemorassem um gol?
Um dia, alguns homens olharão para trás e dirão: “Nós vimos, na manhã triste, os corpos das crianças palestinas mortas porque, apesar da evolução tecnológica, os israelenses erraram o alvo e acertaram escolas da ONU”. Serão lembranças terríveis. Como terríveis são as cenas que hoje contaminam o mundo. O jornal “Times of Israel” divulgou algumas das imagens mais odiosas destes tempos melancólicos: israelenses de extrema-direita festejando a morte de meninos e meninas aos gritos de “não haverá aula amanhã porque já não há mais crianças em Gaza”. Outra imagem marcante, narrativa da impotência, é a de um menino palestino jogando pedras num tanque israelense. Será esse menino o substituto do anônimo no inferno do comunismo chinês? Nas redes sociais, corre a dolorosa ironia. Legenda da foto: quem é a vítima? Quem é terrorista?
O menino palestino ou o tanque israelense?
Ou nenhum deles, ambos vítimas de uma engrenagem perversa, se é que um tanque pode ser vítima de algo.
As imagens devastadoras sucedem-se com a monotonia de um conflito cujo fim não aparece no horizonte. Espera-se que os palestinos desistam das suas reivindicações para que a paz se instale. Há quem não suporte o choque da realidade. O porta-voz da ONU, Christopher Gunness, em entrevista para a televisão Al-Jazira, derramou-se em lágrimas ao tentar falar sobre as crianças mortas em Gaza. Entre soluços, ele sintetizou: “É absolutamente horrível”. Nada mais. As palavras perdem o sentido. O sentido é apenas uma miragem. No retrovisor, banalizadas, as imagens já não refletem o que mostram.
Há também o que as imagens não mostram. A população de Gaza vive prisioneira numa estreita faixa de terra, sem acesso à parte mais fértil desse território e sem poder alcançar a zona mais rica em peixes no Mediterrâneo devido à limitação imposta por Israel. O jornal francês Le Monde publicou recentemente um material extremamente didático, cheio de imagens e gráficos, sobre o isolamento de Gaza as razões recentes do conflito com o Hamas.
A imagem destes anos ainda inaugurais do terceiro milênio será certamente abstrata, um cruzamento incompreensível de linhas incapazes de convergir para um novo quadro figurativo e sublime.
Resta a pergunta que não se configura em imagens: de quem é a responsabilidade? Do Hamas? Apenas? Israel deve responder por alguma coisa? E a comunidade internacional? Por enquanto, na guerra das imagens, a humanidade vem perdendo para si mesma. Quando homens vibram com a morte de crianças, a inocência é assassinada. Triste.
Há algo mais profundo que as estigmatizantes e simplistas ‘notícias'(tendenciosas, via de regra)sobre este conflito. O André Fontana toca num importante ponto com duas perguntas que, também, merecem muita reflexão. Obrigado, Juremir, por mais este reflexivo texto. Abçs do Betinho Gaúcho.
Concordo inteirante c/ vc. Pela existencia de 2 Estados. Mas,hj, não seria algo tipo convergir os da ‘direita’ do DEM c/ a ‘esquerda’ do pstu p/ formação de um governo de coalizão?
A violência expõe o estágio atrasado de uma sociedade. Tenha ela mil prêmios Nobel ou seja belo paraíso tropical. Um viva para a
estupidez!!!
Diante da alienação e das informações tendenciosas de inúmeros veículos, as postagens feitas neste bolg sobre o conflito na Palestina são de suma importância para que as pessoas tenham a real dimensão do que está ocorrendo. Uma pergunta se impõe: quem está fornecendo armas a Israel e lucrando com isso? Outra: qual a importância da indústria bélica para o PIB norte-americano? Para alguns países, guerra significa movimentar a economia e gerar lucro. O resto é desumanidade…
Brilhante o comentário. A crueldade da realidade reflete a insanidade humana.
É a barbárie!!!!!
Apenas isto: é cruel esta verdade!